PL 1.087/2025 é sancionado sem acolhimento da Nota Técnica do CFC
O sistema brasileiro de tributação da renda passou, ao longo da última década, por sucessivas tentativas de atualização. Em linha com esse movimento, o PL 1.087/2025, convertido na Lei 15.270, representa a etapa mais recente e abrangente desse processo. O texto tem como eixo central a ampliação das faixas de isenção do IRPF, assegurando isenção integral para contribuintes que recebam até R$ 5 mil mensais e redução parcial para rendimentos até R$ 7.350. Para viabilizar essa desoneração, foi estruturado um conjunto de medidas compensatórias que alteram significativamente a arquitetura da tributação sobre a renda.
Entre essas medidas, a proposta de tributação de lucros e dividendos é o ponto de maior controvérsia. O texto sancionado pelo Presidente prevê a incidência de IRRF à alíquota de 10% quando os valores distribuídos pela mesma empresa a uma mesma pessoa física ultrapassarem R$ 50 mil mensais, independentemente da quantidade de pagamentos realizados no período, estendendo a mesma regra às remessas de lucros ao exterior. Todavia, embora concebido como mecanismo de justiça fiscal, o desenho reacende debates sobre técnica contábil, neutralidade concorrencial e governança da informação econômico-financeira.
No centro das preocupações técnico-jurídicas está o tratamento dos lucros apurados até 2025, que, por força da regra vigente, deveriam permanecer integralmente sujeitos à não incidência, mesmo após a implantação do novo modelo. Ocorre que o texto encaminhado ao Senado condiciona a fruição da isenção à aprovação societária da distribuição até 31 de dezembro de 2025, ainda que o pagamento possa ocorrer entre 2026 e 2028 – exigência materialmente inviável, vez que nenhuma empresa terá, nessa data, demonstrações financeiras encerradas ou auditadas relativas ao exercício de 2025. Ou seja, mostra-se contábil e juridicamente impossível deliberar sobre resultados ainda não apurados.
Referida inviabilidade decorre das próprias bases do direito societário brasileiro. A legislação vigente – notadamente o art. 132 da Lei 6.404/1976 e o art. 1.078 do Código Civil – determina que a assembleia geral ordinária destinada à aprovação das contas, das demonstrações financeiras e da destinação dos resultados, deverá ocorrer nos quatro primeiros meses do exercício subsequente. Antes do encerramento do período contábil, não existem demonstrações passíveis de aprovação, de modo que qualquer tentativa de deliberação ainda em 2025 significaria operar com informações provisórias e não auditadas, sujeitas a ajustes posteriores e a potenciais inconsistências.
Além do equívoco relativo ao marco temporal da isenção, outros problemas redacionais intensificam o cenário de incertezas. O novo §3º do artigo 6º-A da Lei 9.250/1995 determina que a distribuição dos dividendos ocorra “observada a lei civil e empresarial conforme exigíveis”, expressão cuja abertura semântica permite leituras divergentes quanto à natureza da “exigibilidade” considerada. A isso se soma o §1º, inc. XII, do art. 16-A do mesmo diploma, ao afirmar que o pagamento dos dividendos isentos deve ocorrer “nos exercícios de 2026, 2027 e 2028”. A redação suscita dúvida sobre eventual necessidade de fracionamento entre os três períodos, quando a intenção presumida seria apenas estabelecer um intervalo temporal.
Esse conjunto de inconsistências motivou manifestação oficial do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), que encaminhou ao Governo Federal nota técnica apontando que o PL 1.087/2025 exige procedimentos incompatíveis com a legislação societária e com as Normas Brasileiras de Contabilidade. Segundo o órgão, condicionar a manutenção da isenção dos lucros apurados até 2025 à aprovação societária ainda em 2025, contraria o regime jurídico-contábil atualmente em vigor e gera significativos riscos operacionais.
O documento evidencia que deliberar previamente sobre lucros não apurados viola o princípio da competência e compromete a representação fidedigna das informações. Sob o prisma tributário, a exigência ignora o art. 6º, §4º, do Decreto-Lei 1.598/1977, segundo o qual o lucro tributável deve ser apurado conforme a legislação comercial, reforçando a incompatibilidade estrutural entre o sistema contábil e a mecânica fiscal proposta.
À vista dessas inconsistências, o CFC concluiu pela necessidade de veto aos dispositivos que condicionam a isenção à deliberação societária antecipada. Contudo, apesar das recomendações técnicas, a Lei nº 15.270 foi sancionada sem os ajustes pontuados, incorporando integralmente as regras que pressupõem deliberação societária ainda em 2025 para a manutenção da isenção dos lucros apurados até esse exercício.
Em síntese, embora a Lei 15.270/2025 represente avanço relevante na tributação da renda, sua redação, especialmente no tocante aos lucros apurados até 2025, mantém fragilidades que comprometem a segurança jurídica e contrariam normas técnicas e legais de alta hierarquia. Agora, a superação dessas assimetrias dependerá de futura intervenção legislativa conjugada a um esforço jurisprudencial, restabelecendo um ambiente normativo coerente e alinhado às melhores práticas contábeis e tributárias.