O problema da manutenção dos créditos das entradas anteriores

Em abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal julgou e decidiu que “o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual”.

A decisão foi tomada no julgamento de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade, a ADC 49, o que significa que ela deve ser obedecida por todos os estados da União.

 

Decisão positiva?

A discussão sobre o pagamento de ICMS sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular é antiga, e já existia posicionamento consolidado no Superior Tribunal de Justiça pela não incidência no imposto nesses casos, conforme redação da Súmula STJ 166.

A princípio, o não pagamento de ICMS nessas operações seria positivo, porque afinal poderia não haver desfalque no fluxo de caixa de estabelecimentos que tivessem remetido mercadorias em transferência.

Isto aconteceria, por exemplo, em transferência entre estabelecimentos de um mesmo titular em estados diferentes da federação.

Imagine um estabelecimento no estado de São Paulo, e outro no estado de Minas Gerais, ambos de um mesmo titular. O estabelecimento remetente de SP apuraria o valor de ICMS na transferência, e o estabelecimento destinatário em MG apropriaria o crédito correspondente.

No entanto, por se tratar de estados diferentes da federação, o débito apurado pelo estabelecimento de SP não poderia ser compensado com o crédito apurado pelo estabelecimento de MG, o que resultaria em pagamento e desfalque no fluxo de caixa da empresa.

 

O problema: os créditos das entradas anteriores à transferência

Existe, porém, um problema que não foi antecipado na discussão: os créditos das entradas anteriores à transferência entre os estabelecimentos de um mesmo titular.

Isso porque para manutenção do crédito de ICMS nas entradas é preciso que as saídas subsequentes sejam tributadas (mais precisamente, que não sejam isentas ou não estejam sujeitas à incidência do imposto, conforme artigo 155, § 2º, inciso II, alínea “b” da Constituição Federal).

Imagine que um estabelecimento remetente realize uma operação interna ou interestadual e deixe de recolher o ICMS na transferência. Eventual crédito apurado na entrada anterior daquela mercadoria ou dos bens utilizados para produzi-la deverão ser estornados, e não poderão ser utilizados para compensação com débitos na venda a ser realizada dessa mercadoria em algum momento futuro da cadeia produtiva.

Outro problema relativo aos créditos diz respeito à transferência de créditos por contribuintes que os acumulam.

Imagine um estabelecimento que adquira produtos com isenção ou redução na base de cálculo, e em relação aos quais não é exigido o estorno proporcional, isto é, que permitem a manutenção integral do crédito. Isto não seria problema para contribuintes que realizam apenas operações internas, já que poderiam aproveitar o crédito acumulado de estabelecimentos diferentes dentro do mesmo estado.

Todavia, como não é possível a realização de transferência de créditos de ICMS de um estado da federação para outro em razão da autonomia dos estados, era comum a prática de transferências interestaduais para aproveitar o destaque nessa operação, e fazer com o que o crédito fosse sendo “transferido” para os estabelecimentos de outro estado.

Daí porque a utilização por alguns contribuintes de centros de distribuição em outro estado da federação que não o de sua unidade produtiva ou de sua matriz operacional.

O objetivo seria a “transferência” do crédito acumulado para aproveitamento, já que mesmo com pagamento pelo estabelecimento remetente do ICMS na transferência, o crédito a ser apropriado na entrada pelo estabelecimento destinatário permitiria a compensação com a posterior saída por ele tributada naquele outro estado, reduzindo o preço final do produto.

 

Um problema ainda maior: o passado

Existe um problema ainda maior, o risco de fiscalização e autuação pelos estados das operações já realizadas nos últimos cinco anos, com exigência de estorno dos créditos apurados pelos contribuintes nesse período.

Daí porque os pedidos de modulação de efeitos da decisão tomada pelo STF no julgamento da ADC 49, aos argumentos de segurança jurídica, e de proibição de comportamento contraditório da administração pública (obrigação passada de pagar vs. cobrança de crédito apropriado em razão do reconhecimento atual de que não havia obrigação de pagar).

Os pedidos de modulação de efeitos da decisão seriam então para que a decisão passasse a valer a partir de determinada data, deixando as situações passadas intactas.

Em um primeiro momento e em julgamento virtual, o STF não havia formado maioria para reconhecer a modulação de efeitos. Porém, foi feito um pedido de destaque pelo Ministro Gilmar Mendes, o que faz com que o julgamento da modulação seja reiniciado e levado para votação presencial, o que ainda não tem data para acontecer.

 

Seria então a modulação de efeitos da decisão a salvação para o caso?

Existem, porém, ao menos três argumentos pela desnecessidade de uma eventual modulação de efeito da decisão do STF.

O primeiro e mais controverso é o argumento de que a transferência de mercadorias não configuraria nem hipótese de isenção, que seria quando existe uma regra jurídica prescrevendo que não haverá tributação em determinados casos, nem hipótese de não incidência, que seria quando apesar de possível haver tributação na operação, o ente responsável da federação (União, Estado, Município, Distrito Federal ou territórios) deixa de prever a tributação para aquela operação.

Como a Constituição Federal só exige o estorno do crédito em hipóteses de isenção e não incidência (artigo 155, § 2º, inciso II, alínea “b”), então seria possível manter o crédito nas operações de transferência de mercadorias.

O segundo argumento é o de que a proibição de comportamento contraditório da administração pública é suficiente para impedir que os estados fiscalizem e autuem os contribuintes com relação às operações passadas, já que é regra expressa do artigo 24 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, a LINDB (Decreto-lei n. 4.657/42).

O terceiro e último argumento é o de que seria possível “forçar” os estados a compensarem créditos de estabelecimentos localizados em outros estados da federação, porque no julgamento da ADC 49, o STF declarou inconstitucional o artigo 11, §3º, inciso II, da LC 87/96, que trazia o chamado “princípio da autonomia dos estabelecimentos”.

Com isso, o argumento é de que não havendo autonomia entre os estabelecimentos, eles deveriam ser considerados uma só pessoa jurídica, de forma que os créditos poderiam ser consolidados para aproveitamento integrado.

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Pedro Henrique Magalhaes

Advogado de Contencioso Tributário
Moore Ribeirão Preto