O empreendimento e o risco: da maratona de Chicago para o mundo dos negócios

O empreendimento e o risco: da maratona de Chicago para o mundo dos negócios

Como já está virando tradição, desde 2014, toda vez que corro uma maratona, escrevo um artigo conectando a experiência vivida com alguns aspectos da nossa vida de gestores de empresas. Neste ano, não poderia ser diferente, então preparei este texto para falar sobre um aprendizado e uma reflexão. Vamos lá:

 

O aprendizado – gestão de riscos

Venho perseguindo a meta de completar uma maratona abaixo de 4 horas, desde a minha estreia no Rio, em 2015. Depois de duas edições na Cidade Maravilhosa, resolvi me aventurar numa Major Marathon, o circuito da elite mundial das maratonas, que envolve as provas de Tóquio, Berlin, Londres, Boston, Nova Iorque e Chicago. Consegui uma vaga no sorteio para participar dessa última e seria um dos 45 mil felizardos a correr pelas lindas ruas às margens do lago Michigan.

Chicago é uma das mecas da maratona. Plana, normalmente fresca, com umidade adequada, onde, (além de Berlin), se espera que algum ser humano seja capaz de cumprir a mítica distância abaixo de 2 horas. Em suma, um sonho para todo maratonista.

Comecei o ciclo de treinamento 20 semanas antes da prova. Consegui me organizar para treinar disciplinadamente, com calma e regularidade. Para este ano, decidi, junto com o meu treinador, que treinaria menos, porém com mais qualidade, não expondo meu corpo ao desgaste extremo, uma vez que, nos ciclos anteriores, havia “sofrido” muito. Um dos grandes aprendizados das longas distâncias é descobrir como ouvir o corpo.

Tudo corria muito bem, com uma evolução espetacular – até o segundo terço do ciclo de treinamento. Seis semanas antes da prova, participei de uma meia maratona e alcancei com facilidade o ótimo tempo de 1h e 43 min, o que indicava que poderia sonhar com uma maratona em 3h e 40 min. Seria uma evolução extraordinária em relação à minha meta pessoal sub-4 e cerca de 40 minutos mais rápido do que o meu melhor tempo oficial.

Estava empolgadíssimo, quando me surge uma pedra no caminho. Faltando exatos 30 dias para a prova, tive um estiramento na panturrilha. Uma ressonância magnética diagnostica uma lesão no sóleo, que levaria de 3 a 4 semanas para recuperação completa. O competente médico Dr. Ronaldo Lins, experiente no trabalho com atletas profissionais, sentencia: “você vai correr, mas só em Chicago”. Aquilo foi um balde de água fria. Nunca estive tão bem preparado e agora teria de ficar o último e mais importante mês do ciclo de treinamento na fisioterapia.

O episódio me levou a usar os ensinamentos de administrador de empresas para a vida de atleta amador. Reuni um comitê de crise, formado pelo meu treinador, Heleno Fortes, e o fisioterapeuta Nilcio Flávio, para traçar um novo plano. Tínhamos as seguintes alternativas a serem consideradas: (I) tentar voltar a correr depois de uns 15 dias, não perdendo tanto da preparação prévia, mas correndo o risco da lesão voltar ou se agravar, me tirando definitivamente da prova; ou (II) fazer uma recuperação completa, com treinos alternativos, como natação, elíptico e bicicleta, para tentar manter o condicionamento cardiorrespiratório, mas correndo o risco de não conseguir completar a prova por falta da preparação específica de corrida.

Prós e contras analisados, decidimos pela alternativa (II) – só voltaria a correr em Chicago. Nesse momento, minha decisão teve de ser tomada com base na minha experiência e no autoconhecimento. Embora tivesse ouvido todo tipo de sugestões, comentários e críticas, das pessoas (bem ou mal-intencionadas) que nos cercam, somente eu era capaz de avaliar minhas reais condições. A decisão final e todos os seus riscos eram meus.

30 dias se passaram da lesão até a prova. Sentia-me bem, relaxado e preparado para a prova. A temperatura ambiente estava mais alta do que a que gostaríamos, mas o dia estava lindo para correr. Saí junto com os pacers para 3h e 50min. Corri maravilhosamente bem até o quilômetro 26, quando a falta de treinamento específico cobrou seu preço. Embora estivesse física e mentalmente bem, a musculatura das pernas começava a dar sinais de que faltava força. Meu ritmo foi baixando até que tive de andar lá pelo 30. Comecei a alternar trotes com caminhadas até cruzar a linha de chegada com 4h e 31min. Longe do que eu tinha como meta, mas muito bom para quem não corria fazia 30 dias. Eu era um finisher, como se chama quem completa a jornada.

Meu aprendizado? Conheça bem o seu time. Nos momentos de crise, o líder vai ter de tomar a decisão final e, para isso, precisará saber ponderar as análises e sugestões de cada um, para conseguir fazer uma adequada gestão dos riscos.

 

A reflexão – a cultura do empreendedorismo

A participação na maratona de Chicago me fez compreender uma das fontes da grandeza norte-americana. A cultura do apoio ao empreendedorismo se manifesta nitidamente nesse grande evento que envolve, além dos atletas e staff, cerca de 1,5 milhão de pessoas completamente anônimas, que torcem enlouquecidamente por alguém que elas nunca viram. É impressionante!

Do primeiro ao último quilômetro, as pessoas se acotovelam, gritam, apoiam, estimulam, socorrem, oferecem comida, abraços, cerveja, energia e toda sorte para 45 mil indivíduos que se lançam a fazer algo extraordinário – correr uma maratona. Famílias inteiras, de crianças de colo a senhores nonagenários, saem de casa numa manhã fria de domingo para aplaudir aqueles que têm coragem de fazer algo grandioso. Para esse povo, todo aquele que decide tentar algo vultoso deve ser encorajado e encarado como modelo. Não importa se ele vai bater o recorde mundial ou apenas correr; o que importa é que ele está tentando completar um desafio.

Na tarde do mesmo domingo, os finishers andam pela cidade ostentando suas medalhas. Os restaurantes colocam cartazes com os dizeres “marathoners are welcome” e as pessoas se levantam de suas mesas para ceder seu lugar aos guerreiros vitoriosos. Desconhecidos nos congratulam pelo feito, independentemente do tempo alcançado e os pais dizem aos seus filhos que nós somos exemplos a serem seguidos.

A cultura do empreendedorismo se expressa no mais alto grau nesse evento, expondo o gene da população que a induz a sempre tentar algo novo e relevante, sem medo de errar ou de parecer ridícula. Para os americanos, você é digno de ser chamado de vencedor se você teve a coragem de tentar metas grandiosas e suportou todos os desafios que o percurso interpôs. Afinal, não existe almoço grátis.

Quanto ao meu sonho de correr abaixo de 4 horas? Esse vai ficar para a próxima oportunidade. Talvez para 2018.

Marcus Lindgren
Sócio da Moore Stephens, especialista na área de consultoria estratégica.
marcus@ms.sgteste.com.br

Moore Brasil

1 Comentário

  • Parabéns Marcus pelo excelente artigo, por compartilhar conosco esta experiência, pela sabedoria em traçar um paralelo com o nosso mundo dos negócios e, óbvio, por finalizar a maratona, o que é coisa para poucos.

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