O Brasil vive, nas duas últimas décadas, o fenômeno das startups, que impulsionam a nova economia. Com um pouco de atraso em relação a alguns países, entramos forte na nova era. Na corrida para se tornarem os novos “unicórnios”, as empresas insurgentes trilham um caminho bastante dinâmico e cheio de curvas na busca da escalabilidade do negócio, o que acaba criando desafios bastante específicos para os gestores financeiros. Elas precisam atrair investimentos para fazer do sonho inicial uma realidade, nem sempre (ou quase nunca), rentável. Criam uma ideia de negócios, a colocam em prática com poucos recursos e, se ela tiver sucesso inicial ou mostrar bom potencial futuro, colhem o tão sonhado capital inicial para fazer a startup decolar.

O mundo das startups tem forte apelo junto aos profissionais mais jovens, menos experientes, em busca de suas primeiras oportunidades na carreira. Existe um charme glamouroso que atrai a moçada. Entretanto, esse caminho volátil e emocionante também atrai os CFOs com carreira já estabelecida em grandes empresas, profissionais capacitados para gerenciar o setor financeiro, que aceitam o desafio de iniciar do zero a gestão das empresas da nova economia.

Mas como é essa jornada? Por que CFOs com experiência e posicionados em cargos considerados mais seguros são atraídos por startups? Quais as habilidades e competências necessárias para aceitar o desafio de estruturar e gerenciar um negócio recém-criado e, para o qual, não há garantia de sucesso imediato? É o que vamos ver neste artigo.

Adriana Gomes, gerente de FP&A na CRM Dito, é uma gestora financeira que iniciou sua carreira no setor da construção civil, atuou posteriormente no setor de mineração e em empresas grandes e sólidas, tendo ocupado a posição de CFO, até decidir migrar para uma startup, a plataforma digital Hotmart. Ela conta que o ambiente foi completamente diferente do que estava acostumada. “Grandes companhias têm processos estruturados, uma cadeia de comando muito mais clara, padronização de templates, de serviços, enfim, a gente entra em uma engrenagem que já funciona, na qual é muito difícil mexer. Na startup, o ambiente é completamente diferente”, observa Adriana, que, ainda assim, considera sensacional a experiência neste segmento.

O grande desafio de trabalhar em uma startup é criar e iniciar processos do zero.  “Estabelecer uma cultura de orçamento onde ela não existia é algo gratificante, e nos traz experiências que dificilmente viveríamos em um ambiente já muito bem estruturado”, afirma Adriana. Nos quatro anos em que permaneceu na Hotmart, ela ajudou a estruturar os processos básicos de gestão financeira do negócio, desafio com o qual também se defrontou na Dito, onde hoje trabalha. “A Dito é uma desenvolvedora de SAAS, que tem muito potencial e que fez meus olhos brilharem diante da possibilidade de implementar algo novo, que permitisse a companhia trilhar um caminho de crescimento sustentável. Esta é uma experiência que nos engrandece muito como profissionais de CFO”, diz Adriana.

Já o CFO da Sympla, Marcos Cardoso, antes de assumir a startup, tinha o sonho de se tornar sócio de uma empresa de auditoria, setor no qual trabalhou durante muitos anos, antes de aceitar o chamado da nova economia. “Às vezes o caminho do sucesso não é uma linha reta. Vamos aprendendo durante nossa jornada, e essa é uma das principais lições que tirei da minha trajetória como CFO, especialmente ao aceitar o desafio de uma startup”, pondera.

Em sua opinião, os CFOs de hoje não precisam mais se ater à ideia de terem bons empregos nas empresas da chamada velha economia, com processos e regras já enraizadas. “Quando eu era garoto, o sonho dos meus pais era que eu estudasse e arrumasse um emprego em uma multinacional. Hoje não tem mais isso. Os jovens querem empreender, criar seus negócios, e muitas das maiores empresas do mundo hoje nasceram como startups nos últimos 10 ou 15 anos, ultrapassando as centenárias da velha economia. E ao trabalhar com elas, o mais belo é a jornada inteira, é o vamos aprender juntos, o vamos evoluir. Um CFO que busca esse caminho deve ter em mente isso, de que ele é que fará a roda girar, e que criará e ensinará os processos necessários aos funcionários”, afirma Cardoso.

Gestão do orçamento nas Startups

A implementação da gestão orçamentária numa startup é um dos maiores desafios do CFO em uma empresa deste perfil. Muitas delas usam o orçamento como uma forma de controle, até mais do que como uma ferramenta da gestão integrada. Trata-se de um ponto crítico para os CFOs, que se deparam com o desafio de implementar ferramentas usadas pelas empresas tradicionais, que tendem a viver num ambiente mais estável, nas startups que mudam rápida e frequentemente, com crescimentos e quedas exponenciais. Como eles devem então lidar com essa questão?

Para Adriana, implementar a gestão orçamentária em uma startup é um processo desafiador. “A grande diferença entre empresas da velha e da nova economia é que, geralmente, as primeiras já têm uma estrutura, um potencial de produção testado, e sabem quanto produzem e quanto poderão vender. Já na nova economia, o quesito velocidade de crescimento faz total diferença na implementação e gestão do orçamento. Você cria seu plano de orçamento, tem sua meta anual e trabalha naquilo. Mas a velocidade de mudança de rota é muito maior e, de repente, você se vê obrigado a tomar a decisão de desinvestir em determinado ponto de crescimento, de reinvestir em algo que está dando certo e tem potencial para crescer”, conta a gerente de FP&A na Dito. “Eu diria, então, que a necessidade de fazer previsões para correção de rota, com o avião em pleno voo, é muito mais recorrente nas empresas da nova economia.”

O CFO da Sympla observa que a maturação de qualquer projeto em uma multinacional dura em média um ano, com testes constantes antes que ele seja colocado em prática. Ou seja, a robustez de uma empresa sólida permite o tempo de maturação maior de um projeto. “Este não é o caso nas startups, que ainda não possuem fôlego e nem solidez para permitir testes muito longos”, observa Cardoso. “Por um lado, pode parecer injusto de certa forma, mas há também o lado da praticidade e da rapidez, que fazem toda a diferença no mundo atual. E isso se aplica, da mesma forma, à implementação de ferramentas para gestão do orçamento da startup. É necessário saber o momento certo de fazê-lo, a melhor forma de ensinar os funcionários, e como ter flexibilidade para não ser muito rígido e se adequar ao momento da empresa. Eu diria que ter tato e agilidade são características importantes para o CFO que assume o desafio de uma startup. Haverá momentos em que o Business Plan terá que ser rasgado e reiniciado do zero”, ressalta Cardoso.

Gerenciamento do caixa e governança

Uma das principais habilidades requeridas de um CFO que assume uma empresa da nova economia é saber gerenciar o fluxo de entrada e a saída de recursos financeiros. É necessário saber monitorar o caixa, entender se o momento é adequado para se buscar investidores ou contrair dívidas bancárias, ou se os recursos gerados por determinada ação devem ser guardados e investidos para o futuro, ou serem totalmente reinvestidos, de forma imediata, na produção. Parece similar com o que acontece em uma empresa tradicional, mas há diferenças.

Para Marcos Cardoso, conforme a complexidade da empresa vai aumentando, a preocupação do CFO também se amplia. Nesta fase, é natural que algum tipo de governança seja implementado. “Quando olhamos o ciclo das empresas digitais, a maioria começa com amigos que se reúnem em uma startup, com uma complexidade muito baixa. Daí conseguem um investidor-anjo, que começa a providenciar os cheques, mas ainda em números pequenos”, afirma ele, ao acrescentar que ” é neste momento, quando a ‘brincadeira’ começa a ficar mais séria e o cheque fica maior, que o nível de escrutínio também aumenta, assim como a pressão dos investidores”.

Esta é a hora de entrarem no negócio os investidores conhecidos como “smart money”, que trazem não apenas o capital, mas todo um conhecimento por trás, com profissionais capacitados, indicação de parceiros que já fizeram crescer startups similares e conexões importantes. “Neste momento, abrem-se portas, mas, como consequência direta, a pressão também cresce. É aí que uma governança mais profissional, com pessoas com melhor discernimento, torna-se imprescindível para a sustentação do negócio”, observa Cardoso, ao ressaltar que não se pode ser ingênuo e achar que, após a fase do anjo, pode se colocar qualquer pessoa em posições importantes e acreditar que vai estar tudo bem. “É necessário controle, e isso é conseguido por meio de uma boa governança.”

Adriana concorda. “Entender o timing é importante. Os sócios iniciais não vão conseguir controlar tudo, especialmente se a empresa crescer muito de patamar após a primeira rodada de investimentos. É preciso entender que é necessário contar com profissionais do mercado que possam chegar e contribuir para o crescimento da empresa, conforme suas áreas de expertise. Nesse caso, o CFO que vem de fora pode ter o olhar que faz a diferença na implementação dos processos de gestão financeira e da estratégia à médio longo prazo”, afirma.

Como equilibrar o financiamento da startup

Não é incomum se encontrar startups que começam seu financiamento literalmente através do cartão de crédito de seus sócios fundadores, ou até mesmo por meio da penhora de uma casa ou da venda de um automóvel, enfim, de alguma ação que propicie o capital inicial para a ideia decolar. E quando esse sonho se torna realidade, uma das principais dificuldades é entender o momento de separação entre as finanças pessoais dos sócios e aquelas da pessoa jurídica, que conta com investidores ou captou recursos financeiros.

Para lidar bem com essa questão, a gerente de FP&A da Dito recomenda aos CFOs lidarem bem com o mindset dos sócios-fundadores. “O momento de transição é fazer com que os sócios, até então acostumados a investir no negócio pelo próprio bolso, entendam que, a partir do momento que se encontra um investidor, o processo de gestão financeira precisa ser mais profissional, mais estruturado. Há de se cuidar bem dos gastos dos sócios, pois uma coisa é reembolsar um almoço, um deslocamento para uma reunião, outra é um maquinário crucial para a produção da empresa comprado por um deles. Essa é uma tarefa que os CFOs devem entender de imediato ao ingressarem numa startup”, recomenda Adriana.

Contabilidade e auditoria

Quando a startup decola, é imprescindível ter uma estrutura de contabilidade muito bem implementada. Esse será o ponto de partida para que a empresa possa ser devidamente auditada. É tarefa do CFO implementar estes dois pontos assim que possível, no momento que os negócios começam a fluir em um patamar maior do que o inicial. “Ter uma estrutura de contabilidade passa a ser vital. É por meio dela que a empresa poderá realizar auditorias, e são exatamente elas que trazem confiabilidade ao investidor. Uma startup que audita seus resultados anualmente já sai na frente de muitas outras quando se trata de atrair investimentos”, explica Adriana.

Cardoso concorda: “Nenhum investidor traz só o dinheiro. Ele traz capital humano, traz know-how, e, obviamente, quer ver o retorno no prazo acordado para o investimento. E os CFOs, ao gerenciarem as empresas da nova economia, devem zelar exatamente por isso, pelo retorno em números do que a companhia está devolvendo aos investidores, verificar se os objetivos estão sendo atingidos de acordo com a estratégia traçada”, orienta o CFO da Sympla. “Se uma startup quer ter sucesso, não há outro caminho a não ser se profissionalizar assim que possível, com processos de gestão que demonstrem, aos investidores e ao mercado, que aquele negócio é saudável e duradouro”, completa Cardoso.

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